Como O DIA , a ampla maioria da imprensa brasileira apoiou a quartelada. “Desde ontem se instalou no País a verdadeira legalidade”, defendeu o editorial do ‘Jornal do Brasil’, em 1º de abril. Já o editorialista do ‘Globo’, no dia 2, declarou o Brasil salvo da “comunização” e sugeria aos brasileiros “agradecer aos bravos militares que os protegeram dos inimigos”. No Rio, apenas a ‘Ultima Hora’ defendeu Jango.
Passados 50 anos do golpe, o tom dos jornais ao tratar do tema é justamente o oposto. Desfiam uma série de críticas e denúncias contra a supressão dos direitos civis, a tortura e os assassinatos praticados pelo governo militar. Tudo como se a imprensa nunca tivesse ficado ao lado do regime que se instaurou.
Analisar mudança tão radical pode ajudar a desmistificar o papel dos meios de comunicação na cobertura política brasileira.
“A grande imprensa construiu uma memória para si que não corresponde à realidade”, define a historiadora Beatriz Kushnir, autora do livro “Cães de Guarda”, sobre o papel do jornalismo na ditadura. “As redações aderiram maciçamente ao golpe, pedindo a saída de Jango. Tempos depois, passaram a conviver com a censura, mas muitas empresas jornalísticas continuaram a ter ligação com o governo militar.”
Para justificar a parceria com os golpistas e a oposição às anunciadas Reformas de Base, a argumentação era de que os jornais traziam impressos em suas páginas os clamores de grande parte da sociedade.
“A Nação não mais suporta a permanência do Sr. João Goulart à frente do Governo”, bradava o editorial de 1° de abril, do extinto ‘Correio da Manhã’, sob o título “Fora!”. E continuava, como se fosse o porta-voz de todos os brasileiros: “Só há uma coisa a dizer ao Sr. João Goulart: saia.” Na capital paulista, a imprensa seguia o mesmo padrão. “Magalhães: hierarquia e disciplina estão em perigo”, estampou, na véspera do golpe, a Folha de S. Paulo, nas páginas 2 e 3, referindo-se ao discurso do governador mineiro, um dos principais opositores de Jango.
Os textos do DIA não chegavam ao nível de histeria de ‘O Globo’, ‘Correio’, ‘Folha’, ‘Estado de S. Paulo’ e ‘JB’, mas gradativamente o jornal foi abrindo espaço para matérias a favor dos que pretendiam derrubar João Goulart. Apesar disso, ainda manteve corajosamente na capa de 1º de abril um recado do presidente que seria deposto: “É uma insensatez pretender reprimir pela força as aspirações populares”. A partir daí, passou a endossar a ideia da guerra contra a ‘comunização.’
Enquanto se passava por intérprete da insatisfação nacional, a imprensa tinha informação para saber que a população não estava contra Jango. Eram duas pesquisas do Ibope. Uma delas, sem contratante identificado, foi realizada entre 9 e 26 de março de 1964, em oito capitais.
Uma das questões era sobre a necessidade da reforma agrária defendida pelo presidente: em todas as cidades, a maioria dos entrevistados aprovou a medida. A maior se deu no Rio, com índice de 82%. Em resposta a outra pergunta, pessoas ouvidas em cinco das oito capitais disseram que elegeriam Jango caso ele tentasse a presidência em 65.
Jango aprovado
Essa pesquisa não chegou a ser publicada nos jornais daquele ano. Foi resgatada do esquecimento há pouco por Luiz Antonio Dias, professor de História da PUC-SP, prestes a lançar o livro “O Jornalismo e o Golpe de 1964: 50 Anos Depois”.
“Os jornais, na verdade, endossavam as ideias de setores minoritários da sociedade, mas poderosos”, analisa Dias. Outro levantamento, feito em São Paulo entre 20 e 30 de março, a pedido da Fecomércio, revelava que 72% dos pesquisados achavam o governo Jango de razoável a ótimo. Entre os mais pobres o índice subia para 86%.
O professor acredita, porém, que os integrantes de vários desses veículos de comunicação certamente não imaginavam que João Goulart seria sucedido por um regime tão truculento.
“Com a censura e a escalada de arbitrariedades, muitos jornalistas passaram a enfrentar o governo militar e sofreram consequências trágicas, como foi o caso de Vladimir Herzog (profissional paulista assassinado em 1975, por enforcamento, numa prisão do DOI-CODI, em São Paulo).” A longa temporada de atuação dos censores deixou marcas profundas.
“Aprendemos a ter ódio e nojo da censura e das ideologias pervertidas que tentam enfraquecer a liberdade de expressão”, acredita Aziz Filho, atual diretor de redação do DIA.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Deixe o seu comentário, dúvida ou sugestão.