quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Lula o filme

ZUENIR VENTURA
Nestes últimos dias, tive uma overdose de Lula. Vi-o nascer, crescer, virar líder sindical e chegar ao poder. Depois, li o que ele, já na Presidência, falou em discursos e entrevistas. Explico: é que assisti ao filme (ainda inacabado) "Lula, o filho do Brasil", de Fábio Barreto, e em seguida li "Dicionário Lula, um presidente exposto por suas próprias palavras", de Ali Kamel. O primeiro mexe com a emoção e vai encharcar os cinemas de lágrimas; o segundo se dirige à razão, e desfaz estereótipos e preconceitos contra e a favor. No final das duas experiências, chega-se à conclusão de que se trata de um personagem que exige um paradoxo para defini-lo: é um extraordinário homem comum. E, como admite o autor do livro, "uma figura histórica ainda mais relevante do que eu imaginava". As duas obras se completam. O filme é a saga de uma mãe-coragem que fugiu do Nordeste num pau de arara em busca de uma vida menos miserável em São Paulo. Viajaram 13 dias e 13 noites, ela e sete dos oito filhos, entre os quais o futuro presidente da República. As adversidades enfrentadas por dona Lindu compõem o que Nelson Pereira dos Santos definiu como "melodrama épico". Como tudo ali é verdadeiro e para que a verdade não soasse inverossímil, o diretor teve até que aliviar a carga emocional de algumas cenas, como a da enchente do barraco, em que os ratos da versão real não aparecem no filme. Comove, porque essa história é também a de milhões de Silvas que não chegaram à Presidência. Já no "Dicionário", o presidente é o próprio narrador, que se "expõe" por meio de suas falas improvisadas em discursos, entrevistas e programas de rádio. São 356 verbetes — de Aborto a Verdade — retirados de 1.554 textos ou de mais de três milhões de palavras. (Para se ter uma ideia, o artigo que estão lendo tem 485 palavras.) Foram dois anos nessa tarefa monumental, que precisou de rigor e paciência para realizá-la, além da ajuda de um historiador e de programas de computador. Entre as virtudes do trabalho está o esforço de evitar uma visão engajada e maniqueísta, o que não exclui o olhar crítico. Quando conclui que Lula é "um comunicador sem igual", por exemplo, o autor não o faz por adesão ao personagem, mas porque constatou que sua sintaxe, tida como canhestra, "é usada por Lula como poderosa arma de comunicação". E que o seu universo vocabular é compatível com o de alguém que cursou a universidade. Portanto, é preconceito de classe desqualificar o presidente por suas supostas deficiências gramaticais. Suas principais falhas não são de estilo. O personagem é mais complexo, pois se mostra capaz de desorientar os analistas, desnortear a oposição, trair expectativas, desarticular o PT e continuar popular. Não basta maldizer, é necessário entender o fenômeno. O livro de Kamel contribui de maneira objetiva para isso.

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