José Alencar é o oposto daquilo que a lenda diz que o político de Minas é. Reza a lenda: o político mineiro é tortuoso, tinhoso, evasivo, contraditório, barroco, se faz de bobo para dissimular sua esperteza, tem o prazer de confundir, complica de propósito dizendo que é para simplificar. Político mineiro, suspeita-se, está sempre fincado numa autoironia que, se de um lado, o protege, aos outros apunhala, com a objetividade serena mas implacável, digna de um cortesão florentino. Ao encontrá-lo no hospital, às vésperas de sua partida para os Estados Unidos - onde a insaciável fome de viver submete o vice-presidente da República Federativa do Brasil à humildade de ser cobaia de um tratamento ainda experimental -, cotejo mais uma vez José Alencar e o político da caricatura, remanescente mítico de uma República que será sempre Velha. José Alencar é a sinceridade em pessoa. Fala com a alma. Age às claras. Odeia manobras sorrateiras. Tem, sim, aquela picardia que a vida ensina, especialmente a quem teve de aplainar sua própria estrada, mas a picardia está aqui a serviço da clareza - e não da confusão. José Alencar trafega pela convicção - inusitada, para um político - de que o caminho mais curto é, sim, o que une, em reta, os dois pontos. Muita gente estranhou à época que ele - empresário de fôlego multinacional - viesse a fazer parceria, na chapa presidencial, com o ex-metalúrgico. Mas ele também teve de ralar, nunca é demais lembrar que Lula e Alencar são parentes por parte dos Da Silva - e que os Da Silva são, onde quer que estejam no elevador social, o melhor retrato da enorme e diferenciada família Brasil. Não por acaso, José Alencar dá qualidade moral ao governo Lula. Mas nunca fez da virtude um alarde, ao contrário de certos políticos - e aí não só os mineiros, muitos deles - cujos discursos moralistas mal escondem o mau cheiro da hipocrisia de palanque. Porque é um homem de bem, José Alencar não precisa ficar se vangloriando por aí afora. Meu pai, enquanto viveu, sempre falou dele com uma admiração extraordinária. Sinto - agora, nesse encontro no hospital - que o respeito foi recíproco. José Alencar se refere ao "homem de bom coração" que foi o original, legítimo Nirlando Beirão - empresário como ele. Eu tratei de fazer intimamente a tradução: meu pai era dono de uma escandalosa credulidade, de ilimitada boa fé. Por isso é que a gente sempre teve de dar certo desconto naquela efusão de sentimentos com que meu pai se referia a seus eventuais amigos. No caso de José Alencar, meu pai tinha toda razão: ele é mesmo especial.
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