terça-feira, 3 de novembro de 2015

CONGRESSO DEIXA ESPAÇO PARA O STF LEGISLAR

Com vários de seus membros alvos de denúncias de corrupção e omisso a diversos temas espinhosos, o Congresso Nacional, que detém a responsabilidade de legislar para o Brasil, abre cada vez mais espaço para que o Supremo Tribunal Federal (STF), maior instância do Judiciário brasileiro, faça as vezes da Câmara dos Deputados e do Senado e determine as “regras do jogo”.


“O que acontece é que, nem sempre, as decisões do Congresso representam a população. O Poder Legislativo está abaixo das expectativas dos brasileiros”, avalia o mestre e doutor em direito público pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Daniel Sarmento, que também é ex-procurador do Ministério Público Federal (MPF).
As recentes decisões do Supremo no campo político-eleitoral desagradaram parte significativa do Congresso, o que reacendeu o velho embate entre os poderes Legislativo e Judiciário no Brasil. A proibição da doação empresarial para campanhas eleitorais e a suspensão temporária do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff afetaram os planos dos líderes do Parlamento, que consideram a reação como interferência indevida no Legislativo.

Sarmento, que é autor de representações que geraram ações importantes – como a que legaliza a união homoafetiva, a que regulariza o financiamento de campanhas políticas por empresas e a que extingue o ensino religioso confessional nas escolas públicas –, disse que pesquisas junto à população comprovam que a maioria dos parlamentares, mesmo tendo sido eleitos por voto direto, atua contra a opinião pública.

“Há uma grave crise na democracia representativa”, aponta o especialista. Segundo ele, um exemplo claro foi o fato de a Câmara aprovar, no último mês, a permissão para que empresas façam doações em dinheiro a partidos políticos, decisão derrubada uma semana depois pelo STF, que declarou inconstitucionais as normas que permitem que as campanhas recebam de empresas. “A opinião pública é contra a doação, e, mesmo assim, o Parlamento ignora isso”, afirma.

O enfraquecimento do Congresso pode ser notado também pela omissão dos parlamentares na discussão de projetos e decisões polêmicos, como a descriminalização do porte de drogas, o debate sobre direitos da população LGBT, além do estatuto do desarmamento e outros temas que podem comprometer a imagem pública de quem corre atrás de votos. “Isso abre brecha para o protagonismo do Judiciário”, frisa o especialista.

Direitos.Para o professor de teoria e filosofia do direito da Universidade de Brasília (UnB) Guilherme Scotti, o Judiciário exerce sua função de defesa de direitos fundamentais, especialmente das minorias políticas.

Scotti entende que o Supremo deve interferir, por exemplo, no chamado Estatuto da Família, fruto do Projeto de Lei 6.583, de 2013, que define a família como o núcleo formado a partir da união entre um homem e uma mulher.

O texto foi aprovado pela Comissão Especial do Estatuto da Família da Câmara dos Deputados e agora pode seguir diretamente para o Senado após a votação dos destaques.

“Se aprovado, esse projeto deverá ser declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, já que estabelece discriminações consideradas injustas pela lógica dos julgados anteriores da Corte”, avalia o especialista. “A atuação do STF é positiva também quando garante procedimentos democráticos de elaboração de leis e o cumprimento das regras do jogo”, completa.

Guardião
Constituição. O Supremo Tribunal Federal é composto por 11 ministros, nomeados pelo presidente da República após aprovação pelo Senado. A eles compete a guarda da Constituição.

FOTO: EDITORIA DE ARTE
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‘Supremo também erra’, dizem cientistas
Especialistas em direito constitucional alertam que, apesar do protagonismo da Corte, o Supremo Tribunal Federal (STF) não está imune a exceder limites, com o risco de fazer interpretações equivocadas. “Algumas vezes, o órgão pode fazer juízos políticos sobre a qualidade das leis e das medidas executivas, tomando decisões programáticas, que são de competência do Executivo”, analisa o professor de teoria e filosofia do direito da Universidade de Brasília (UnB) Guilherme Scotti.

Para o cientista político e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Fernando Filgueiras, a atuação do Supremo tem sido cada vez mais política, como no caso das doações de campanha. “O STF tem de ter um limite de atuação para que não extrapole sua competência”, afirmou.

Já o especialista em direito constitucional Daniel Sarmento é taxativo ao afirmar que a Constituição não é o que o Supremo diz que é. “Essa ideia é de vez em quando repetida no Brasil em decisões judiciais. O STF é um intérprete importante da Constituição, mas não o seu senhor. Ele também pode errar – e erra às vezes”, conclui. 

Congresso se ocupa de leis secundárias

Estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea) aponta que 47% das leis aprovadas pelo Congresso Nacional entre 2007 e 2014 tratavam apenas de questões secundárias, como homenagens ou instituição de datas simbólicas.

Segundo a pesquisa “Processo Legislativo: mudanças recentes e desafios”, divulgada este ano, houve crescimento no volume de projetos de lei com essa finalidade no período. Entre 1995 e 2002, um dos primeiros períodos analisados pelo estudo, a Câmara e o Senado aprovaram, em média, 6,3 propostas de homenagem por ano. Número que já chegou a 38,1 projetos.

Apesar do grande volume de projetos de leis aprovados pelo Congresso, cuja utilidade é questionável, o Ipea mostra que tanto a Câmara quanto o Senado passaram a ter um papel mais ativo nos últimos sete anos. De acordo com o pesquisador Acir Almeida, houve queda no volume de medidas provisórias aprovadas pelas Casas a partir de 2004 em comparação com períodos anteriores. “O Executivo perdeu o poder de agenda”, resumiu Almeida.

fonte:jornalOtempo

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