Ou há um cérebro superior a reger com propósito maquiavélico o coro dissonante de ministros do mal instalado governo do presidente em exercício Michel Temer, ou falta um cérebro superior capaz de pôr um fim rápido à sucessão de trapalhadas, dignas de noviços, produzidas por eles em tão curto espaço de tempo.
Por mais antigas (e aqui o antigo, a levar-se em conta o ritmo frenético dos fatos, pode datar de um ou dois meses apenas), desprezemos as trapalhadas do próprio Temer. Do tipo: conspirar com volúpia para derrubar Dilma e anunciar a pretensão frustrada de montar um ministério de notáveis.
Examinemos, apenas, as mais recentes. Ainda na semana passada, depois de desprezada a ideia de uma redução expressiva no número de ministérios, Temer (ainda ele),voltou a flertar com ela. E ao fazê-lo, às pressas, concordou com a proposta de seus principais assessores de extinguir o Ministério da Cultura. Deu no que se vê.
Diante do estrago, ainda longe do fim (se é que haverá um fim), Temer garantiu que o ministério daria lugar a uma Secretaria Especial ligada diretamente à presidência da República. Esqueceu – ou ignorava – que isso implicaria em mais gastos com o reajuste obrigatório de salários dos eventuais servidores da nova Secretaria.
Acabou obrigado a dar o dito pelo não dito e a transferir a Secretaria para o âmbito do Ministério da Educação. Não pensou – e ninguém pensou por ele – que a Cultura é mais importante do que um ministério ou secretaria. O que de fato importa é a política cultural do governo e os meios destinados à sua execução.
Não há sinal até agora de política cultural – e não é por falta de um ministério ou de uma secretaria que não há. Nem de meios para sustenta-la. Não há, sequer, uma palavra dita a esse respeito que possa acalmar os rebelados ou atiça-los de vez. Na verdade, a Cultura foi esquecida. E, agora, o governo corre atrás do estrago.
O governo da dama-de-ferro Margaret Thatcher (1979 a 1990), primeira-ministra da Inglaterra, não teve uma só mulher em posição de destaque, fora ela. Mas isso não pode servir de desculpa para justificar outro esquecimento de Temer: o de não convidar uma só mulher para ser ministra. A Inglaterra não é o Brasil, por suposto.
Aqui, as mulheres estão muito longe de conquistar o espaço que lhes devido. Aqui, ainda temos uma mulher na presidência da República, embora afastada do exercício do cargo para ser julgada pelo Senado. E aqui tínhamos mulheres como ministras de Estado. Mesmo conservador, um governo não pode ignorar a realidade.
Da última sexta-feira para cá, o governo está à caça de mulheres que possam ser encaixadas em cargos ainda em aberto e disfarçar com isso sua natureza essencialmente masculina. E à caça de uma para ocupar a Secretaria da Cultura, comporta-se como um amador. Convida quem recusaria o convite na certa. E se desgasta.
Acumula desgastes também devido à sofreguidão com que vários dos seus ministros vêm a público declarar sandices ou admitir intenções que precisariam ser mais bem amadurecidas. Muitas delas, por sinal, na contramão do que Temer pensa, do que as leis permitem e do que o bom senso aconselha.
Temer já foi obrigado a desautorizar o ministro da Justiça Alexandre de Moraes (PSDB-SP) por ter dito que o próximo Procurador-Geral da União poderia ser escolhido fora da lista tríplice a ser apresentada pela categoria dos procuradores. Temer mandou que ele dissesse o contrário. Um vexame!
Com menos de 100 horas no Ministério da Saúde, o deputado Ricardo Barros (PP-PR) pisou feio na bola pelo menos duas vezes. A primeira ao conceder uma entrevista afirmando que o tamanho do Sistema Único de Saúde (SUS) deveria ser reduzido no futuro dado à falta de dinheiro. A segunda ao falar sobre a legalização do aborto.
O SUS, tal como é, está assegurado pela Constituição. No discurso de posse dos novos ministros, Temer sacou de um exemplar da Constituição e jurou que nada se fará contra ela, e que direitos adquiridos são intocáveis. A legalização do aborto não está nos planos de Temer. Ele não quer mais encrencas do que já tem.
A depender, porém, do ministro Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), do Turismo, ele terá. O ministro defende a legalização de “todos os tipos de jogos de azar”. Estima que renderá ao Tesouro Nacional a quantia de R$ 20 bilhões anuais em impostos. Trombou logo de saída com o Ministério Público Federal, que é contra.
O governo Dilma reconheceu que há cerca de 10% de famílias atendidas pelo Bolsa Família e que não se enquadram mais nas exigências do programa. O que ganhou o governo Temer ao informar pela boca de Osmar Terra (PMDB-RS), ministro do Desenvolvimento Agrário, que fará um pente-fino no Bolsa-Família?
A informação dada por Terra passou a ser explorada por Dilma e o PT como prova da falta de compromisso de Temer com os programas sociais. O governo Temer conspira contra seus próprios interesses e abre mais frentes de luta do que de fato deseja. Ou do que seria de fato capaz de enfrentar.
Até que Dilma seja ou não deposta pelo Congresso, a atual administração Temer não passará de uma administração provisória. Dela, o que o país exige de pronto é que comece a pôr em ordem as contas públicas e adote medidas possíveis de começar a reverter a trajetória ascendente do desemprego. E é só. E é muito.
O resto pode esperar a confirmação de que Temer ficará na presidência da República até 31 de dezembro de 2018. No dia seguinte, a faixa presidencial será transferida ao seu sucessor, eleito pelo voto direto. E Temer, para o bem ou para o mal, passará à História.
Por Ricardo Noblat
Por Ricardo Noblat
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Deixe o seu comentário, dúvida ou sugestão.