A mitologia de que o PSDB é um partido frágil, incapaz de enfrentar os governos do PT, acompanha a política brasileira desde 2006, quando Lula conseguiu aquilo que os analistas conservadores julgavam impossível: reelegeu-se por folgada margem de votos um ano e meio depois de Roberto Jefferson fazer as denúncias da AP 470.
Depois de prever um fracasso histórico por várias gerações assim que o país tivesse “experimentado o PT” em 2002, a oposição apostou em três CPIs e na moralidade seletiva dos meios de comunicação para arrancar Lula do Planalto. Em sua imensa dificuldade para reconhecer que o novo governo fora capaz de criar raízes profundas junto a maioria da população, a partir de uma política inédita de distribuição de renda, criou-se a teoria de que Lula não havia vencido a reeleição em 2006 — a oposição é que fora derrotada por suas próprias fraquezas e pela incapacidade de explorar as falhas do adversário. Também nasceu a teoria de que a população pobre, eleitora de Lula, é mais tolerante com a corrupção dos que os ricos, os bem nascidos e os bem estudados.
A teoria de que Lula fazia um governo sem méritos reais, mas era uma espécie de beneficiário da incompetência alheia, reapareceu em março de 2010 quando ficou claro que Dilma Rousseff, uma ilustre desconhecida fora dos gabinetes do Planalto, ameaçava emplacar uma terceira vitória consecutiva para o PT. A suposta fragilidade tucana serviu como justificava para uma postura abertamente partidária dos meios de comunicação, como admitiu Judith Brito, presidente da
Associação Nacional de Jornais e superintendente da Folha de S. Paulo:
– A liberdade de imprensa é um bem maior que não deve ser limitado. A esse direito geral, o contraponto é sempre a questão da responsabilidade dos meios de comunicação. E, obviamente, esses meios de comunicação estão fazendo de fato a posição oposicionista deste país, já que a oposição está profundamente fragilizada. E esse papel de oposição, de investigação, sem dúvida nenhuma incomoda sobremaneira o governo [Lula].
A oposição, liderada pelo PSDB, tem, certamente, uma fraqueza do ponto de vista democrático: há 12 anos não consegue reunir votos em número suficiente para ganhar as eleições. Com a reeleição de Dilma, em 2018 terá completado um jejum de 16 anos longe do poder. É um recorde num país onde o próprio Lula perseguiu a presidência incansavelmente entre 1989 e 2002, conseguindo a vitória após 12 anos de jejum. As derrotas consecutivas de Lula naquele período eram acompanhadas por piadinhas e comentários grosseiros. Falava-se em sua “teimosia”. Também se perguntava por quantas vezes ainda iria “insistir” em disputar a presidência. Lula acumulou forças, em três campanhas, para conquistar o voto da maioria dos brasileiros, sem dar chance a ninguém, em 2002.
Esta foi e continua sendo sua força.
Mesmo derrotada quatro vezes consecutivas, a oposição conserva instrumentos permanentes de poder, que não foram nem serão partilhados voluntariamente com seus sucessores. O PSDB sempre buscou o acesso ao poder, mesmo quando não tinha votos para isso. Em 2005, Fernando Henrique Cardoso disse em entrevista a Exame que Lula poderia permanecer no Planalto — desde que desistisse da reeleição. Em 2007, o PSDB teve receio que Lula preparasse uma emenda constitucional que lhe permitiria disputar o terceiro mandato — e orquestrou uma campanha preventiva para impedir que, copiando o gesto de FHC em 1997, Lula tentasse aprovar uma emenda para disputar um terceiro mandato no Planalto, que lhe permitiria ficar na presidência por um período inferior ao de François Mitterrand no Eliseu e Margaret Thatcher em Downing Street.
O acesso preferencial às estruturas repressivas do Estado — Polícia Federal, Ministério Público, Judiciário — permite a oposição um tratamento peculiar. Impede, por exemplo, que os dissabores que amargaram os petistas na AP 470 possam repetir-se no mensalão PSDB-MG. Mais antigo do que o esquema em que se envolveram os petistas, o PSDB-MG sequer foi julgado em primeira instância e ainda se encontra na fase de ouvir testemunhas numa Vara Criminal em Belo Horizonte. Divulgado a conta-gotas, o inquérito sobre a operação Lava-Jato tornou-se uma arma dirigida contra o Partido dos Trabalhadores.
O apoio dos meios de comunicação pode ser comprovado matemáticamente pelo Manchetômetro. A Bolsa de Valores subiu e desceu no compasso de Aécio.
O país assistiu, nas 72 horas anteriores ao segundo turno, a uma tentativa de golpe eleitoral midiático que conseguiu retirar entre três e seis milhões de votos de Dilma, mas não teve força para impedir sua vitória. O dia da eleição foi marcado desde a madrugada por uma tentativa de assalto ao poder, com rumores falsos, mobilização subterrânea para distribuir capas da VEJA e mentiras destinadas a gerar o pânico e paralisar as autoridades. Não faltaram sequer pesquisas fabricadas que, em caso de necessidade, poderiam ser usadas para justificar uma alteração repentina dos resultados.
No necessário retorno a normalidade, ocorreram cenas inaceitáveis a favor de uma intervenção militar, estimuladas pelo ambiente de intolerância que a tentativa de golpe midiático ajudou a criar. Vozes responsáveis reagiram com indignação que merece registro.
Mas nada se investigou, ninguém foi chamado a explicar-se, sugerindo que tudo ficará por isso mesmo.
Nos días posteriores a vitória de Dilma, os adversários tentam impor sua agenda a Dilma. Denunciam seu direito constitucional a indicar ministros do Supremo assim que eles completarem a idade-limite de 70. A falsa tese da oposição fraca ajuda a alimentar a ainda mais falsa tese do governo bolivariano.
Forte? Frágil
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