sábado, 28 de setembro de 2013

EDIR MACEDO: UM PASTOR BILIONÁRIO

Dono da Rede Record e fundador da Igreja Universal do Reino de Deus, o líder evangélico ultrapassou a fronteira brasileira e hoje é conhecido nos cinco continentes
Templo é dinheiro. A variação da máxima de Benjamin Franklin enquadra-se com precisão idílica a Edir Macedo, o televangelista, religioso e empresário que se tornou o líder evangélico mais rico do Brasil – um bilionário. Seus dedos indicadores são tortos, os polegares finos, e todos os dez se movem com dificuldade, quase paralisados. Mas isso não o impediu de pregar e se transformar num dos maiores fenômenos religiosos das últimas décadas, no Brasil e no exterior.

Seu poder vem de duas frentes religiosamente ligadas: na primeira, e principal, a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), com presença em mais 170 outros países nos cinco continentes. A segunda frente é a Rede Record, da qual é proprietário, uma extensão da primeira. As duas formam uma espécie de força centrífuga e centrípeta simultânea, que alimenta e diversifica os dividendos surgidos da igreja. Afinal, entre as duas, a obra e a graça da generosidade dos fiéis. Raros executivos e empreendedores produziriam um “business plan” melhor do que este. 



O dedo do “Bispo Macedo” para apontar para si e sua igreja o caminho de milhões de fíéis (1,8 milhão, segundo o IBGE; 8 milhões nas contas da IURD) escancarou um especial talento para atrair doações em tamanho e tempo capazes de fazer dele um bilionário. Ele segue como ninguém a “teologia da prosperidade”, doutrina segundo a qual a bênção financeira é o desejo de Deus, e o discurso positivo e as doações sempre aumentarão a riqueza material do fiel. Mas sua glória financeira e, digamos, espiritual é também seu calvário: os adjetivos e acusações, ele as recebe no mesmo compasso com que os dízimos enchem os cofres da IURD. Macedo já foi acusado de charlatanismo, curandeirismo e enriquecimento com a exploração da fé. 

O bispo parece, no entanto, estar preparado para enfrentar os adversários de toda espécie. Tal atributo vem de longe. Devido ao problema físico nas mãos, sofreu bullying na infância, segundo revelou na biografia arrasa-quarteirão “Nada a perder”. Disse ele: “Muitas vezes senti complexo de inferioridade. Me considerava o patinho feio da escola e até da família. Sempre fui motivo de zombaria. Muitos adultos e meninos da minha idade me chamavam de dedinho”.

Escrita em parceria com o vice-presidente de jornalismo da Record, emissora de televisão que pertence a Edir Macedo, “Nada a perder” ganhou um segundo volume, virá um terceiro a seguir, e seu lançamento foi um sucesso da América do Sul à Europa. Segundo dados da editora Planeta, o primeiro vendeu, em apenas cinco meses, mais de um milhão de exemplares em todo o mundo. Foi o título mais vendido no Brasil em 2012, de acordo com o portal Publishnews, especializado no mercado editorial. Superou o best-seller mundial “50 tons de cinza” e também as biografias de Steve Jobs e Eike Batista. Nem é preciso dizer que o livro contou com eficiente estratégia de divulgação. Na centenária livraria El Ateneo, em Buenos Aires, mais de 50 mil exemplares foram vendidos numa só tacada; para conseguir uma assinatura do autor, filas enormes se formaram. 

O sucesso – comprar o livro é dever obrigatório para um verdadeiro fiel – reflete a trajetória vitoriosa e polêmica do bispo evangélico retratado no livro como um ser quase perfeito. Uma pessoa cuja principal tarefa no mundo é abrir os olhos dos outros diante de um poderoso inimigo, o qual ele próprio faz questão de nomear com todas as letras: “A sina da Universal é barrar a Igreja Católica”.

Tudo começou num coreto

A sede da Igreja Universal do Reino de Deus fica em Del Castilho, subúrbio do Rio de Janeiro. É a catedral chamada Tempo da Glória do Novo Israel. A IURD foi fundada no verão de 1977 pelo então pastor Edir Macedo e seu cunhado Romildo Ribeiro Soares. Os números em torno dela assustam. Em pouco tempo, tornou-se o maior e principal grupo neopentecostal do Brasil. Aqui existem mais de cinco mil templos. Para atender aos fiéis, quase 10 mil pastores.

Um coreto foi seu primeiro e retumbante palco de pregação. Com teclado, microfone e na mão uma Bíblia, que não cessava de ser erguida aos céus, Edir Macedo não perdia um sábado de pregação no bairro do Méier, um dos mais populosos do Rio. Fazia isso ao ar livre. Eram os primeiros passos da IURD, cuja principal incentivadora foi dona Eugênia, mãe do futuro bispo. A primeira igreja seria levantada a seguir no lugar onde funcionava uma antiga funerária, no bairro da Abolição. Não havia sequer um ventilador, mas o negócio cresceu. Uma fábrica de móveis desativada no número 7.702 da Avenida Suburbana foi alugada para se transformar em um grande templo, com capacidade inicial para 1,5 mil pessoas. Logo precisou ser ampliado.

Edir Macedo contou com o apoio do cunhado R. R. Soares, nome com o qual se tornaria conhecido como pregador. Eles haviam se conhecido em 1968 na Igreja Pentecostal da Nova Vida, fundada pelo americano Robert McAlister. Juntos, decidiram criar sua própria igreja, nomeada, a princípio, A Cruzada do Caminho Eterno e, em seguida, A Casa da Bênção. Macedo e Soares se desentenderam anos depois, quando a Universal já era um fenômeno, tanto religioso como econômico. Ex-católico, graças a Deus Espanta quem descobre que Edir Macedo Bezerra já foi católico de usar correntinha no pescoço, devoto de São José. Mas é verdade. Com 15 anos, numa Sexta-Feira da Paixão, foi levado pelos pais para cultuar Jesus morto e ficou assustado com a violência da imagem. Ao desistir do catolicismo, passou pelo espiritismo e frequentou terreiros de macumba, mas também ali não encontrou “as respostas desejadas”. 

Nascido em 18 de fevereiro de 1945, em Rio das Flores, município do Rio de Janeiro, foi criado no seio de uma família católica praticante. Ele lembra, e relata o episódio em sua biografia, que, adolescente, chegava a ironizar os evangélicos da Assembleia de Deus que se reuniam para orar no campo de São Cristóvão. “Aleluia, aleluia! Como no prato e bebo na cuia”, gritava o garoto Edir, fugindo depois de bicicleta. Nos tempos da Igreja Nova Vida, a postura foi outra. Ele revela no livro que destruiu as imagens e medalhas religiosas que levava consigo: “Botei todos aquelas objetos no chão, fitei os olhos deles e, apontando o dedo com desdém, desafiei: ‘Desgraçados! Vocês me enganaram!’”. Em seguida, pisou com raiva os pedaços de papel rasgados e a gargantilha.

Ainda jovem, Edir Macedo conseguiu uma colocação: emprego público na Loteria da Guanabara, obtido com o auxílio do ex-governador Carlos Lacerda, com quem a família dele tinha certa proximidade. Seu trabalho era uma mistura de contínuo com auxiliar de escritório. Isso não impediu, no entanto, que o poder lhe subisse a cabeça: certo dia, levando ao pé da letra uma recomendação interna, impediu a entrada de um monsenhor no escritório administrativo, o qual havia sido enviado pelo arcebispo para recolher um dinheiro que na época algumas sociedades católicas recebiam das loterias: “Eu barrei a Igreja Católica naquele dia. Simbolicamente, seria um prenúncio do que se tornaria a sina da Igreja Universal ao longo os anos”, diria anos depois.

Incômodo e riqueza permanentes

Em 1992, o Ministério Público denunciou Edir Macedo por “delitos de charlatanismo, estelionato e lesão à crendice popular”. Ele ficou preso durante 15 dias, mas se livrou das acusações. Assegura ter sido alvo de “perseguição do clero romano, políticos de prestígio, empresários da elite econômica e social, intelectuais”. Na verdade, o bispo passou a incomodar – aos menos aos chamados barões da mídia – quando comprou a TV Record, por US$ 45 milhões, em 1989. No segundo volume de sua biografia, ele tenta explicar como reuniu, 12 anos depois de fundar a Igreja Universal, o capital necessário para adquirir a emissora: “Até hoje não sei como conseguimos. Não foi por caminhos semelhantes ao de qualquer negócio comum. Não houve cálculos detalhados nem estudos financeiros. Simplesmente, agi pela fé”.

Apontado pela revista “Forbes” com um dos bilionários do mundo, na 1268ª posição, Edir Macedo tem a fortuna avaliada em US$ 1,1 bilhão. Enquanto sua riqueza aumenta, as denúncias não param: em 2007, a Polícia Federal abriu investigação pela suposta prática de crimes de falsidade de ideológica, contra a fé pública, sonegação fiscal e lavagem de dinheiro – o líder da Universal teria se apropriado de recursos da igreja para formar patrimônio pessoal em empresas de comunicação.

Em 2008, reportagem da “Folha de S. Paulo” apontou Macedo com o maior detentor de concessões na mídia eletrônica brasileira, com 23 emissoras de tevê. O grupo teria registro no paraíso fiscal de Jersey, no Canal da Mancha, e seria utilizado para “esquentar” os dízimos recebidos pela Universal. 

Convocando o capeta

Os embates públicos não se resumem, porém, a enfrentar a mídia, o Ministério Público e a Polícia Federal. Abarcam também os concorrentes religiosos. No ano passado, por exemplo, acendeu o sinal amarelo da Igreja Universal diante do arqui-inimigo de Edir Macedo: Valdemiro Santiago, da Igreja Mundial do Poder de Deus. Num dos momentos-clímax da briga, ambos convocaram até o demônio para ajudá-los na batalha travada pela alma e generosidade dos fiéis. Em seu programa de TV, Macedo “interrogou” o diabo – que, supostamente encarnado em uma devota, “confessou” ter se instalado na igreja rival e ser o responsável pelas propaladas curas conduzidas por Valdemiro.

O chefe da Mundial passou recibo e rebateu as acusações no mesmo nível da elegância do adversário: no Canal 21, afirmou que “câncer” de Macedo é obra de demônio. A tréplica chegaria sem tardança. Macedo levou sua médica à TV para atestar que não sofre da doença e ainda exibiu no programa Domingo Espetacular, da Rede Record, uma reportagem sobre a compra, por Valdemiro, de três fazendas avaliadas em 50 milhões. 

Essa aguerrida disputa se deu num momento em que a Universal passou a perder fiéis e receita para a Mundial. Em 14 anos, o segundo teria conquistado mais de 20% dos seguidores do primeiro. Para quem não sabe, Valdemiro foi membro da cúpula da Universal, mas acabou preterido por Macedo na indicação para um posto de maior visibilidade. O que se viu a seguir nos ensina que não se deve desejar ter um pastor como adversário: Valdemiro rompeu com o chefe, fundou a própria igreja e, além das baixarias listadas acima, resgatou o modelo primitivo que originou o fenômeno Universal – a luta contra Lúcifer e a promessa de curas e milagres de todos tipos, pilares que Macedo substituiu pela “teologia da prosperidade”. Atingia assim o nicho de fiéis de menor poder aquisitivo e altíssima credulidade.

Se templo é dinheiro, sabemos, fé é mercado.



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