O presidente Lula descolou do chão. A expressão é de um tucano impaciente, Tasso Jereissati. Assim como o senador cearense Jereissati, o PSDB em peso tenta convencer José Serra a sair do armário em janeiro, em vez de esperar até março.
Enquanto Serra se agarra a seu status de governador de São Paulo, Lula faz a festa. Aqui e lá fora. Acaba de ganhar mais um título: o influente jornal inglês Financial Times o escolheu como uma das 50 personalidades da década.
Nunca antes um presidente foi tão festejado no exterior. Depois de Barack Obama chamá-lo de “o cara”, Lula foi eleito pelo El País “personagem ibero-americano de 2009” e pelo Le Monde “homem do ano”.
Agora, foi o único latino-americano na lista da década do Financial Times, citado como “o presidente mais popular da história do Brasil” – “pelo carisma, pela habilidade política, mas, sobretudo, pela inflação baixa”.
Segundo o FT, Lula teve a sabedoria de “não alterar a política macroeconômica do governo de Fernando Henrique Cardoso” e expandir programas de aumento de renda.
A popularidade interna de Lula e seu desempenho em cúpulas mundo afora o tornam um craque da política – quer se goste ou não. Seu pragmatismo a qualquer preço revolta os puros, os que acreditam em ideários. Lula ri e é simpático.
Quando chora, chora mesmo, não é fingimento populista. Também chora de alegria, como ao comemorar a escolha do Rio de Janeiro para sediar as Olimpíadas de 2016. Lula acredita tanto na emoção que conseguiu ensinar até Dilma Rousseff a chorar em público.
Uma das virtudes do presidente brasileiro é sua agilidade de raciocínio – ele rapidamente enquadra suas próprias convicções. Em Copenhague, isso ficou claro. Desautorizou uma declaração de Dilma, encampou uma sugestão de Marina Silva, mostrou um Brasil flexível e empenhado na defesa do meio ambiente, saiu de lá como um campeão da causa verde.
Suas gafes escorrem pela língua e são sempre desculpadas. Na terça-feira 29 de dezembro, mais uma vez abusou das palavras. Fez uma analogia pobre. Inaugurava um posto de saúde em São Bernardo do Campo, São Paulo, seu berço político. “Não fazemos distinção de que partido é o prefeito e o governador. O povo precisa (de verba federal) e a gente tem mais é obrigação de fazer sem olhar...Vocês não podem deixar de dar comida para um porco porque você não gosta do dono do porco.”
É inacreditável ouvir isso de um presidente. Mas não de Lula.
Chama Serra para o campo o tempo todo. Diverte-se claramente com suas próprias provocações. Lula age como se quem estivesse em campanha fosse ele e não a Dilma ruim de bola, que nem embaixadinha consegue fazer, quanto mais gol.
Chute forte, grosso e sem mira não ganha eleição nem para síndico de prédio. Por isso, só por isso, a cautela de Serra é compreensível. O governador de São Paulo – agora sem pressão do mineiro Aécio Neves – não tem a menor vontade de gastar seu jogo com Lula. Quer disputar diretamente com a candidata à Presidência pelo PT, e não com seu padrinho coroado.
Dilma pisou na bola sempre que foi escalada por Lula. Como “papagaio de pirata” ela ainda consegue fazer uma figuração. Sem o treinador, Dilma é uma temeridade.
Dizer que “o meio ambiente é uma ameaça ao desenvolvimento sustentável” é um mico sem a menor graça. Por que Lula escolheu uma mulher como Dilma, que valoriza tanto títulos acadêmicos e não tem nenhuma afinidade com a massa, como candidata à “continuidade”?
O maior perigo para Lula hoje é acreditar mais no personagem criado nesta década do que nele próprio. O filme que conta sua história o endeusa, o santifica e apara todas as arestas humanas.
A jornalista Eliane Brum fez a crítica mais consistente que li. Está em epoca.com.br. Como diz Eliane, o filme mostra outro Lula, que dá sono:
- Faz tudo certo sem tropeçar em nenhum conflito, nem mesmo um bem pequeno, em sua trajetória linear. Ao final, ficamos pensando que aquele cara da tela nunca chegaria a presidente da República. Não chegaria nem a liderar uma greve do ABC. O Lula do filme é raso como o açude seco em que o menino Lula bebia água com o gado.
Ruth de Aquino é diretora da sucursal da ÉPOCA no Rio de Janeiro
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Deixe o seu comentário, dúvida ou sugestão.